terça-feira, 5 de outubro de 2010

Entrevista com Rodrigo Santos, o poeta tavernista de SG

Um dos idealizadores do maior evento de poesias em São Gonçalo (Uma Noite na Taverna), Rodrigo Santos, gonçalense, 33 anos, é o que podemos classificar de um verdadeiro amante das palavras. Além de professor de Português e Literatura, é um grande poeta que tem em sua poesia a influência da Geração ultra-romântica, tendo como tema o sofrimento, o amor irreal e a morte. Autor de vários livros poéticos, entre eles o famoso Máscaras sobre Rostos Descarnados, publicado em 2003, pela editora Muiraquitã, e de diversos contos ainda não publicados, lança na próxima sexta-feira (08/10), no Sesc-SG, o seu primeiro romance, Mágoa – que fala sobre perdas e como lidar com essas perdas, sobre esperança e desespero.

O Blog Território Gonçalense teve o prazer de entrevistar esse talentoso poeta para saber mais sobre a sua nova obra literária, e também do bem-sucedido projeto Uma Noite na Taverna.

Confira agora as palavras do poeta...

Vagner Rosa: Quanto tempo você levou para escrever Mágoa, e qual é o perfil dos personagens centrais (Simone e Pedro)?

Rodrigo Santos: Levei mais ou menos uns dois anos para escrevê-lo. Minha seara principal na literatura é a poesia, então tive tranqüilidade para escrever o Mágoa, sem afobação. Demorei tanto porque sempre busquei a frase perfeita, o momentum perfeito. Sou muito exigente no meu consumo de arte, e quis escrever um livro que eu gostasse de ler, e gosto. Foi gostoso escrevê-lo, e ainda hoje gosto de relê-lo.

Simone e Pedro se antagonizam e se completam. Simone é sonhadora, esperançosa, sempre vê um lado positivo na vida como um todo. Pedro é amargurado, casmurro, e blasé, sempre vendo o mundo de fora, sem se envolver.

Vagner: Você descreve o livro como um romance sobre perdas e como lidar com essas perdas, sobre esperança e desespero. Dessas perdas, pode citar algumas das mais difíceis de se lidar?

Rodrigo: Minhas ou do Pedro? (risos) Ah, qualquer perda é difícil, mas eu acho que o mais importante é como lidamos com essas perdas. As perdas de Pedro o fizeram mais amargo, mais desgostoso com a vida, as perdas de Simone a fizeram maior.

E só complementando, creio que a pior perda que o ser humano possa passar é a perda de identidade. É a obliteração de seu próprio eu. Essa é irreversível, e dolorosa.

Vagner: “É que ainda não me acostumei totalmente à sua sinceridade, que beira a arrogância.” Diz Simone para Pedro. Na sua opinião, a sinceridade extrema soa arrogância ou burrice, como muitos afirmam por aí?

Rodrigo: Burrice não, arrogância sim. Sinceridade, inteligência, clareza, racionalidade... Essas coisas assustam, e atraem rótulos. As pessoas não estão acostumadas a lidar com o diferente, principalmente com quem não joga pelas regras de aparência e ilusão. E isso é tido como arrogância, como soberba, e por aí vai.

Vagner: Eu achei muito interessante a analogia que o Pedro fez do livro com a garrafa. Assim como a água toma o formato da garrafa, os livros também acondicionam os nossos sentimentos, conforme o autor canaliza os dos personagens. Você concorda com essa observação do Pedro? Você acha que em certos momentos nós canalizamos e vivemos as histórias reais ou fictícias de terceiros?

Rodrigo: A nossa história de vida é uma grande ficção. Ou melhor, o nosso aprendizado para a vida se dá principalmente pela observação, e muitas vezes a observação dos parâmetros apresentados pela ficção. Um bom exemplo é o Amor. Ah, L´Amour... (risos) O amor enquanto sentimento é natural, a forma com que explicamos o amor para nós mesmos e para o mundo é que não é. Nós aprendemos isso desde a tenra infância, com historinhas da carochinha, e crescemos aprimorando esse aprendizado. Imagino quantas pessoas no mundo acham que nunca amaram só porque nunca se sentiram como os personagens da novela, esfuziantes, eufóricos, com frio na barriga e sorriso bobo no rosto.

Vagner: Ele diz também que imaginava que tudo o que deveria saber da vida encontraria dentro de uma biblioteca: o cinismo de Voltaire, o raciocínio dedutivo de Agatha Christie, o amar com Shakespeare e o sofrer com Alvarez Azevedo... Hoje, ele acha que não... Que a experiência é uma refeição que deve ser ingerida crua e com as mãos. Você concorda com essa opinião do personagem? O contato com os pensamentos dos grandes escritores não seria também uma experiência para a construção da nossa visão de mundo?

Rodrigo: O caminho do meio é sempre o caminho da sabedoria. É bom dispor das armas que adquirimos com a leitura – seja de ficção, seja do mundo, paulofreirianamente, mas é fundamental construirmos as nossas armas. Pesar e medir as experiências, até com instrumentos alheios, mas termos a nossa análise final. A Cultura deve ser aliada em nossa construção do mundo, e não muleta.

Vagner: Mágoa é uma obra fictícia, porém você disse que tanto o Pedro quanto a Simone são um pouco de você. Em quais características, por exemplo?

Rodrigo: Ah, Pedro é meu lado mais amargo, mais cínico e cético. E Simone é o meu lado sonhador. Em mim, esses lados convivem muito bem, e se complementam – como Pedro e Simone, no livro. É difícil – principalmente para um poeta – escrever alguma coisa sem se colocar. Todos os personagens do livro têm um pouco do que sou, ou do que fui em algum momento. Não sei escrever sem compromisso.

Vagner: No prólogo você revela que, por ser poeta, não sabe ser muito objetivo, e que tentou ser o menos prolixo possível. Particularmente, o achei bem objetivo. Você descreve com muita propriedade tanto os sentimentos dos personagens quanto com riqueza de detalhes o ambiente físico. Parece que estamos vendo os objetos a nossa frente...Foi mesmo difícil para você a desconstrução da linguagem poética nessa sua nova incursão literária?

Rodrigo: Eu já tive mais problemas com isso, em ser objetivo... Tanto é que eu me policiava. Hoje não, vejo que são a mesma coisa, a minha objetividade subjetiva ou subjetividade objetiva, sei lá. Não deixo que a poesia atrapalhe a fluência do texto, pelo contrário: escancaro as portas do salão e deixo-a entrar. Rubem Braga, um de nossos maiores cronistas, criou textos altamente poéticos, impregnados de lirismo, sem que isso atrapalhasse sua prosa. O meu primeiro livro (“Máscaras sobre rostos descarnados”, Ed. Muiraquitã, 2003) abre com uma prosa poética.

Vagner: O seu livro está sendo lançado por alguma editora ou é uma produção independente?

Rodrigo: Produção independente. O mercado editorial brasileiro é fechado para quem não tem padrinhos fortes. Mesmo que seu texto seja bom, é difícil chegar lá pelas vias normais. E as editoras pequenas e médias (como a que publiquei meu primeiro livro), que trabalham em sistema de parceria, ainda possuem uma distribuição muito fraca, o que é um reflexo do mercado consumidor de literatura. Poucas pessoas têm o costume de comprar livros, então os livros são caros, e blábláblá. Vejo a publicação independente como uma saída para o escritor de verdade, que almeja apenas uma coisa: ser lido. Quem produz arte não quer ganhar dinheiro (quer sim, mas não tem isso como meta principal), quer é que as pessoas entrem em contato com a sua produção.

Rodrigo declamando no evento Uma Noite na Taverna

Vagner: E por falar em produção, você é um dos idealizadores, juntamente com o Rômulo Narducci, do evento Uma Noite na Taverna – apresentação mensal no Sesc - São Gonçalo. Após seis anos de existência, qual é avaliação que você faz desse projeto? Quem é o público que consome poesia em nossa cidade?

Rodrigo: “Uma Noite na Taverna” é o evento que eu gostaria que existisse quando eu tinha 14, 15 anos, e começava a me interessar em produzir arte. Seria bom ter visto caras velhos (como eu sou hoje) fazendo poesia, e acreditando naquilo.

Creio que o maior sucesso do evento é continuar sendo feito para o público, e não para meia dúzia de pseudointelectuais, como quase sempre acontece com manifestações artísticas menos populares. Foi um trabalho árduo – há dez anos, pelo menos, não existiam eventos de poesia na cidade quando a gente começou – mas a gente conseguiu criar um público cativo para a poesia, e para as outras manifestações que acontecem no evento. Democrático, de amplo espectro e popular. Popular sem ser popularesco, o que é mais importante. A gente acredita que a arte é para todos, e não apenas para “iniciados” ou “intelectuais”, basta ter quem a mostre ao grande público, e é isso que é feito na “Taverna”.

O público que vai à Taverna é plural, como deve ser. Desde professores de literatura a estudantes, passando por donas de casa , porteiros, guardadores de carro... A arte fala à alma, e isso todo mundo tem!

Vagner: Você acha que a cultura tem futuro em São Gonçalo?

Rodrigos: A cultura – a arte, melhor dizendo – sempre vai ter futuro, em qualquer lugar. Em São Gonçalo é mais difícil (risos), mas quem faz arte continua fazendo, independente do loteamento dos órgãos públicos de cultura, independente da falta de apoio dos empresários locais, e até da falta de público (o que parece um disparate, em uma cidade de mais de um milhão de habitantes). Ars longa, vita brevis, já diziam os romanos. Porque ninguém sabe quem foi o prefeito de Strattford-Upon-Avon, mas todo mundo conhece Shakespeare. Ou quem era o reitor da Universidade de Direito em São Paulo na época, mas todos conhecem a obra de Álvares de Azevedo. Isso tudo passa, e passa muito rápido. Isso só incomoda quem procura uma boquinha no governo... Quem faz ARTE mesmo, continua fazendo. A cidade é muito próspera em artistas, e há muitos batalhadores, verdadeiros guerreiros da arte em São Gonçalo, nos mostrando que é possível um mundo melhor, mesmo contra todas as intempéries – vide o trabalho de João Sena, que conseguiu criar um cenário fantástico para o Humor, enchendo os olhos de artistas consagrados que vêm se apresentar aqui e não acreditam no que vêem. Isso sem ajuda de prefeitura ou de grandes empresários, acompanho o trabalho de formiguinha dele e da galera da PP Produções com orgulho. E há outros... O “Uma Noite na Taverna” mesmo, estamos no sétimo ano do evento e NUNCA recebemos nenhum tipo de cachê ou ajuda de custo, nossa luta é apenas para manter o evento gratuito.

Gosto de lembrar também que o mundo não É ruim, ele ESTÁ ruim. Mas já esteve pior, e se superou. E é em momentos como esse que a arte se faz mais necessária, e cai como um bálsamo nas chagas dos excluídos e vilipendiados.

Vagner: Um projeto de cultura imediato para a cidade?

Rodrigo: Imediato? Respeito pelos artistas, e uso inteligente do dinheiro público. Realizadores culturais há aos montes, se eles tivessem condições... Acredito que o cenário artístico na cidade deve ser fortalecido, inicialmente no Centro, mas é importantíssimo levar a arte para todo o município. Monjolos, Arsenal, Jardim Catarina, Guaxindiba... Há rincões isolados tanto administrativa quanto culturalmente em nossa cidade que precisam de mais carinho do Poder Público – seja ele representado por quem for. Não é um problema apenas do governo atual, mas de todos os anteriores. Cultura aqui é cabide de empregos e caixa dois para aliados políticos, isso precisa mudar, e para ontem. Pena que não há vontade política, e nem fiscalização por parte da sociedade.

Os idealizadores do maior evento de poesias em São Gonçalo
(Rodrigo Santos e Rômulo Narducci)


Vagner: Rodrigo, muito obrigado pela entrevista. Desejo muito sucesso para o seu livro. Pelo preview disponibilizado na internet deu pra ter uma noção da história. Parabéns! Seu romance tem uma narrativa cativante.

Rodrigo: Eu é que agradeço a oportunidade de estar falando um pouco sobre o trabalho hercúleo que é desenvolvido na cidade, não apenas por nós, da Taverna, mas por todos os artistas. Um grande abraço, e espero todos no evento “Uma Noite na Taverna” no dia 8 de outubro. Começa às 19 horas, com entrada franca, e além do lançamento do meu livro, estaremos homenageando a poesia de Carlos Drummond de Andrade, e recebendo a visita dos poetas e artistas convidados.

E vocês podem encontrar um pouco mais do meu trabalho em http://brechodealmas.blogspot.com (poesias), e no blog do evento: http://manifestotavernista.blogspot.com

No mais, encerro com a saudação que era usada pelas sacerdotisas de Dioniso, e que pegamos “emprestado” para celebrar a arte em nossa cidade: Evoé!


3 comentários:

  1. Militar na cultura numa cidade com tão poucas opções e recursos é levar o lema de "ir onde o povo está" a um novo patamar.
    Oferecer um espaço de comunhão com a arte aberto ao público mais variado possível, romper com as fórmulas que privilegiam a arte apenas para artistas, dar voz a uma comunidade.
    Ainda falta muito mesmo depois de seis anos de Uma Noite na Taverna, mas certamente falta bem menos agora.
    Parabéns pelo livro e pela história Rodrigo Santos.

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  2. Já tive o prazer de ir em um evento da Taverna no SESC São Gonçalo. Bom demais! fui assistir a uma amiga que, para minha felicidade, voltou a escrever um blog e se prepara para se apresentar com eles novamente! Viva as iniciativas desse tipo. Viva a poesia! Bjs

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  3. Apesar de conhecer o Rodrigo a pouco tempo, posso dizer que é um grande poeta, e um profissional incrível. Ele dá aulas com a mesma paixão com que declama.

    Tive a felicidade de ler seu romance quando ainda era um copião, o que se chama "boneca" nos termos editoriais - e estou orgulhosa de poder vê-lo publicado. E divulgado com se deve.

    Parabéns, Rodrigo.

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